por Guto Jimenez.
A “grande” mídia pode ser criticada por praticar um verdadeiro festival de besteiras em se tratando do skate, e nesse ponto a mídia especializada encontra-se anos-luz à frente dos “maiorais”. No entanto, a mídia do skate padece de um mal crônico, de fácil percepção e difícil solução: a falta de criatividade. Parafraseando Churchill, dá pra dizer tranquilamente que nunca tantos escreveram a mesma coisa sobre o mesmo assunto ao mesmo tempo.
Infelizmente, não é de hoje que isso acontece. Qualquer evento de skate acaba recebendo praticamente a mesma cobertura de diversos veículos diferentes, como se “copiar e colar” fosse a regra primordial do jornalismo Muda-se a construção de um parágrafo aqui e ali, altera-se um adjetivo pra dar um ar de “originalidade”, e pronto – uma “reportagem” nasce. Parece que não há mais a intenção de ser original, de querer trazer uma perspectiva nova e por vezes até inusitada, de agregar algum tipo de informação exclusiva.
Não dá pra não ser saudosista quando lembro da mídia de 20 ou 30 anos atrás. Por trás de cada “Skateboarder”, havia uma cobertura completa do cenário, com eventos, picos, novos ídolos, trips, etc com um diferencial: ela tinha uma personalidade própria, a dos skatistas da época. No momento que perdeu essa identidade, se transformou na Action Now (a precursora de revistas de boardsports no mundo) com matérias eram tão saborosas quanto chuchu cozido com água e sal… Quando a Thrasher surgiu, o skate era considerado morto e enterrado – mas muita vida exalava das matérias, com o espírito do “faça você mesmo” impregnado em cada letra impressa. Como era “punk demais” pra alguns, logo surgiu a TWS com as características que a marcam até hoje: belas imagens, textos insossos.
Aqui no Brasil, a Brasil Skate durou apenas 3 edições mas fez história justamente por procurar ser a mais variada possível dentro do cenário nacional. O núcleo-base daquela publicação gerou a Visual Esportivo, que trazia em si a alma de cada um dos 4 esportes que abordava (surfe, skate, vôo livre e windsurfe) com matérias escritas por praticantes daqueles esportes. Que saudades da Overall, com os textos irônicos e loucos da tríade que segue na TRIBO (Gyrão, Bolota e Cecília Mãe)! Que saudades da Yeah!, com o imprevisível Anshowinhas, o sempre preciso Hélio Greco e a constante presença do skate carioca forçada por esse que aqui tecla…
A Skatin’ surgiu não só pra dominar o mercado – e, consequentemente, arrasar com a concorrência -, mas trouxe a cabo uma mudança significativa em se tratando do editorial: era uma revista feita pra um público-alvo entre 10 e 15 anos. Os marketólogos da editora diziam que palavrões não tinham de fazer parte do universo da galerinha, e a revista acabou sendo a 1ª publicação nacional com uma imensa carga de “bom-mocismo” em seus textos. Nem por isso o editor Luis Calado deixava o nível dos textos cair, ele mesmo sendo um brilhante redator dentro daquela proposta, e também puxava o nível de caras como Daniel Bourqui e eu também.
Mesmo após o skate ter sido dado como “morto” com o advento dos patins inline, em 1990, surgiram duas publicações que marcaram época lá nos EUA: a Slap e a Big Brother. A primeira foi a primeira a se basear no cenário do street, e a última foi a mais criativa revista de skate do mundo em todos os tempos. Cada página era absolutamente imprevisível, por muitas vezes bizarra, tanto que a publicação foi parar nas mãos do notório Larry Flint (= Penthouse) antes de encerrar as suas atividades. Essa última voltou a ser publicada online recentemente, mas sem a ousadia de antes.
O skate brazuca também “morreu” no final de 1990 – e ressussitou em setembro de 1991, com a publicação da 1ª edição da TRIBO. Um verdadeiro “dream team” da imprensa nacional reuniu os seus caraminguás, e lançou na raça a revista que impulsionou o cenário e o mercado brazucas até atingirem o nível que se encontra hoje em dia. Ainda hoje, a maior preocupação da “chefia” é a de passar informação diferenciada, de evitar a padronização e fugir da pasteurização que esteriliza a criatividade dos redatores de mídia de skate.
A concorrência?! Junte-se algumas boas imagens com matérias copiadas quase integralmente de veículos da gringa, reportagens com a profundidade de um prato de sopa fria e muito, mas muito marketing oportunista pra se manter no mercado – e pronto. Não faço a menor questão em sequer dar uma passada de olhos no que publicam, pois já sei a receita de cor e salteado: um pouquinho de “filosofia” no estilo auto-ajuda aqui, uma maciça dose de autopromoção ali e muita prostituição comercial pra vender anúncios pela metade do preço de mercado pra atrair clientes. Não tenho tempo pra perder com isso.
Mudou o conceito de jornalismo ou mudaram os “jornalistas”?!
Ambos mudaram. A internet trouxe o conceito de “notícia em tempo real” de uma maneira inédita até então; o rádio tinha o som e a tv uniu-o à imagem, mas o conteúdo mais detalhado em forma de texto seria o grande diferencial da mídia internáutica. Seria – se não fosse a mesmice. O conteúdo da maioria das mídias da rede lembra a definição pra água que aprendemos na escola, sendo inodora, incolor e insípida – essa última, principalmente.
Já o problema com as revistas de hoje em dia é que elas têm praticamente o mesmo formato: eventos nacionais e internacionais, entrevistas, alguma música ou artes e a “galinha dos ovos de ouro”, as viagens bancadas por anunciantes das revistas. Aquilo que começou como uma ação de marketing criativa e mais bem trabalhada, ultimamente ganhou contornos de uma prática necessária e fundamental à existência das revistas impressas. Nunca antes na história da imprensa de skate as revistas tiveram tão integradas com e dependentes do departamento comercial; afinal, não se pode contrariar os interesses dos que bancam a cada vez mais arriscada aventura de se lançar um produto impresso nos dias de hoje. Acho que se juntassem as tiragens das principais revistas brasileiras da atualidade, não chegaria à quantidade de revistas impressas por apenas uma dessas mesmas publicações há 10 anos atrás, por exemplo.
Esse fenônemo não é exclusivo do skate. Numa edição recente da Fluir, o editor Alex Guaraná (um dos raros jornalistas de surfe que eu respeito e admiro) escreveu que “é extremamente mais viável fazer uma viagem para a Indonésia com três atletas, um fotógrafo e um cinegrafista bancados pelos respectivos patrocinadores dos surfistas. Os custos são rateados entre as marcas envolvidas e o veículo consegue no mínimo duas matérias sem gastar nada”. É só trocar a Indonésia por Barcelona ou a California, por exemplo, os surfistas por skatistas e tem-se a fórmula de “sucesso” das revistas de skate atuais, sem tirar nem pôr.
Uma contingência de mercado tornou-se algo obrigatório pra sobrevivência das revistas impressas. Acho que a mais recente exceção a essa regra foi a tour dos Waveboys pelo Sul-Sudeste que foi publicada na TRIBO, que não teve aquela cara de “informe publicitário” disfarçado que tais matérias costumam ter. Ponto pras marcas, que agora alcançaram um patamar de influência no editorial sem precedentes na história da imprensa do skate.
Nos últimos tempos, tive um sopro de esperança na edição 162 da TRIBO com o Rodolfo Ramos na capa, que foi um verdadeiro primor de textos, imagens e retratou a diver sidade do skate como sempre deveria ser, o tipo da edição na qual eu senti orgulho de ter feito parte. Mas de um modo geral, não rola mais aquele frisson e a expectativa que antecediam a abertura de uma revista de skate. Posso ser idealista, ultrapassado ou até mesmo babaca, mas sinto falta daquela época em que ficava criando expectativas, ansioso pra abrir uma revista de skate mês após mês.
Você só está me lendo aqui na PENSE porque o veículo tem 3 diferenciais que me atraem:
não se prende a “esquemas vencedores” e preguiçosos de outros sites, induzindo a reflexão aos internautas;
Rennê e Pizza são 2 caras da nova geração com um respeito absoluto pela história que veio antes deles;
porque é carioca assim como eu.
Algo está muito errado numa imprensa onde não é a criatividade que gera o dinheiro – e sim o contrário.
A 3ª e última parte do assunto “Mídia” tratará do meio de divulgação que, quando surgiu, mudou a história do skate de maneira definitiva mas que ultimamente padece do mesmo mal, a falta de criatividade: os filmes de skate. Fui!
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